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Ser mestre é ser um semeador; não qualquer um deles, entretanto, aquele semeador que não escolhe o solo em que vai lançar sua semente e que não se queixa ou questiona se o solo é seco, árido ou fértil, porque o essencial é semear...



25 de abr. de 2014

A todas as séries do Eja Casimiro de Abreu (1ºF, 2º F e 3º E)


Estamos iniciando o bimestre e retornamos à produção de texto dando sequência ao gênero dissertativo-argumentativo. Trabalharemos o tema "Traição" tomando por base a efeméride 21 de abril, dia de Tiradentes, o filme assistido"Os Inconfidentes" e o texto abaixo que trabalharemos em sala de aula. Queiram, por gentileza imprimi-lo para que possamos discutir. 

A traição sob a ótica do direito positivo brasileiro
Por Vladimir Passos de Freitas (consultor jurídico)

Domingo de Páscoa lembra a ressurreição de Jesus Cristo, a intenção de reconciliar-se, almoço de domingo na casa dos pais e os ovos de Páscoa, que entraram em nossos hábitos definitivamente. Além destas lembranças, vem-nos à mente o quadro da Santa Ceia, na qual Judas Iscariotes aparece segurando um pequeno saco, que simboliza as 30 moedas recebidas para indicar aos soldados romanos quem era o Cristo.
Sem tanta gravidade, mas ainda sob reprovação social, vivemos assistindo, praticando ou sofrendo traições em nossas vidas. Vício de caráter que acompanha a humanidade, tal qual tantos outros, como a ira, a inveja e o ciúme. Regras éticas punem o transgressor, através da reprovação social. Regras legais o sancionam nas condutas mais graves, pois, afinal, o Direito Positivo brasileiro não poderia ficar alheio ao fato. Examinemos o tratamento legal à traição sob óticas de diversos ramos do Direito.
No Direito Administrativo o artigo 116, inciso II, do Estatuto do Servidor Público Federal dispõe que constitui dever ser leal à instituição que servir. Assim, por exemplo, um servidor que, devidamente autorizado pelo órgão público ao qual pertence, cursa mestrado no exterior, recebendo seus vencimentos, e depois pede exoneração para atuar em uma empresa privada, valendo-se dos conhecimentos adquiridos, age com deslealdade e pratica flagrante traição.
No Estatuto da OAB, artigo 34, temos também exemplos. Segundo o inciso VII, constitui infração disciplinar “violar, sem justa causa, sigilo profissional”. Recordo-me de um caso real. Um jovem advogado, contratado por um Banco, teve acesso à lista de devedores a serem objeto de execução. A partir daí começou a contar às pessoas que lhe eram próximas quem e quanto deviam, pessoas conhecidas na cidade. O inciso VIII proíbe ao advogado “estabelecer entendimento com a parte adversa sem autorização do cliente ou ciência do advogado contrário”. Em ambas está presente a traição. A primeira é ao cliente, no caso o banco, que poderia até responder civilmente pelo fato. A segunda é ao seu cliente, que deve ter ciência do que está sendo decidido em assunto que lhe diz respeito. Ambas são punidas com censura, na forma do artigo 36 do Estatuto. Além disso, o Código Deontológico dos Advogados, no artigo 6º, impede-lhes de revelar fatos sobre os quais tiveram conhecimento através da profissão, o que se assemelha aos clérigos.
No Direito Penal a traição está presente em vários artigos. Ela pode ser causa de qualificadora no crime de homicídio, elevando a pena corporal para o mínimo de 12 e o máximo de 30 anos (CP, artigo 121, parágrafo 2º, inciso IV). Já o crime de furto é penalizado de forma mais grave, quando o autor se vale de justificada confiança da vítima (CP, artigo 155, parágrafo 4º, inciso II). Por tal motivo, o Superior Tribunal de Justiça tem confirmado condenações de empregados domésticos eventuais (p. ex. diaristas) que se valem do trabalho esporádico na casa da vítima para a prática de furto (HC 90.161/SC, Rel. Min. Og Fernandes, DJe 08.03.2010). 
Aspecto interessante é o que cerca a delação premiada. Prevista em diversos textos legais, como a Lei 8.072/1990 (Crimes Hediondos), Lei 9.613/1998 (Lavagem de Capitais), Lei 9.034/1995 (Crime Organizado) e Lei 11.343/2006 (Antidrogas), ela carrega sempre uma dúvida ética sobre seu acerto, vez que estimula a traição de um dos acusados, a fim de desfavorecer outros, tudo para a completa descoberta dos fatos. Mas, obviamente, aí a traição é aceita por uma visão pragmática. Nos crimes mais graves da contemporaneidade nada se apurará se não houver delação premiada, escuta telefônica, gravações ou medidas semelhantes. Em suma, o aceitar esta espécie de traição tem justificativa na necessidade do combate à criminalidade moderna.
No Código Penal Militar não é diferente. A traição é circunstância punida com pena de morte. Poucos brasileiros sabem que o Brasil permite pena de morte, ainda que em situações excepcionais. Mas assim é. Confira-se o artigo 355: “Tomar o nacional armas contra o Brasil ou Estado aliado, ou prestar serviço nas fôrças armadas de nação em guerra contra o Brasil: Pena - morte, grau máximo; reclusão, de vinte anos, grau mínimo”. Aplica-se pena de morte também ao estrangeiro que venha a praticar algum dos crimes dos artigos 356, ns. I, primeira parte, II, III e IV, 357 a 361, conforme determina artigo 362 do CPM.
Na pouco conhecida Lei de Segurança Nacional (Lei 7.170/1983), dois tipos penais encerram no seu conteúdo a conduta traiçoeira. O primeiro é o artigo 8º, que fala em entendimento ou negociação com governo ou grupo estrangeiro, ou seus agentes, para provocar guerra ou atos de hostilidade contra o Brasil, sancionando tal conduta com 3 a 15 anos de reclusão. O segundo é o artigo 21, que pune com reclusão de 2 a 10 anos quem revelar segredo obtido em razão de cargo, emprego ou função pública, relativamente a planos, ações ou operações militares ou policiais contra rebeldes, insurretos ou revolucionários.
Mas, é no Direito de Família que a traição é lembrada com mais frequência e pode gerar consequências graves. A fidelidade é dever imposto no artigo 1.566, inciso I, do Código Civil. Sua quebra constitui justo motivo para a separação judicial, nos termos dos artigos 1.572 e 1.573, inciso I, do mesmo Código. O cônjuge que trai, se vencido em ação de separação judicial ou divórcio, poderá sofrer várias sanções, como a perda da guarda dos filhos.
Como observa o advogado Rodrigo da Cunha Pereira, especialista na área, “Dependendo do vexame causado para uma pessoa, pode ser desde perda da pensão alimentícia até uma indenização. Por mais que indenização seja difícil, ainda é possível. Isso varia para cada caso e depende da renda” (http://financasfemininas.com.br/site/o-preco-de-uma-traicao/).
O STJ teve ocasião de julgar recurso especial em que se discutia o direito a indenização de uma cidadão que registrou como seu o filho tido na vigência do casamento, vindo 6 anos mais tarde, já separado de sua mulher, a saber, através de exame de DNA, que a criança era fruto da traição de sua esposa com um terceiro. Proposta ação de indenização contra a mulher e o verdadeiro pai, acabaram ambos sendo condenados, solidariamente, ao pagamento de R$ 200.000,00 pelos danos morais infringidos ao autor (STJ, REsp nº 922.462 –SP, 3ª. Turma, relator Ministro Vilas Bôas Cueva, j. 13.5.2013).
Finalmente, o aspecto religioso. A Santa Sé celebrou vários Tratados com os Estados, chamados de Concordatas, através dos quais os clérigos estão obrigados a guardar sigilo das confissões que lhes forem feitas. Pois bem, os religiosos não podem ser inquiridos por magistrados ou outras autoridades, sobre fatos que lhes foram confessados. Evidentemente, isto gera a impossibilidade de serem apurados alguns crimes. Mas o pactuado é respeitado pelas nações do mundo ocidental.

A encerrar, registre-se que Judas pagou caro pela traição. Mais de 2.000 anos depois continua sendo repudiado. Em alguns lugares ainda se pratica a “malhação do Judas”, costume medieval de colocar-se um boneco pendurado em um poste e destruí-lo a pauladas no sábado de Aleluia. Seu ato imortalizou-se e isto em um tempo em que nem Nostradamus cogitava da existência de internet. Que nos sirva o exemplo para, dentro da nossa falibilidade humana, afastarmos este defeito. 

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