A todas as séries do Eja Casimiro de Abreu (1ºF, 2º F e 3º E)
Estamos iniciando o bimestre e retornamos à produção de texto dando sequência ao gênero dissertativo-argumentativo. Trabalharemos o tema "Traição" tomando por base a efeméride 21 de abril, dia de Tiradentes, o filme assistido"Os Inconfidentes" e o texto abaixo que trabalharemos em sala de aula. Queiram, por gentileza imprimi-lo para que possamos discutir.
A traição sob a
ótica do direito positivo brasileiro
Por Vladimir
Passos de Freitas (consultor jurídico)
Fonte: http://www.conjur.com.br/2014-abr-20/segunda-leitura-traicao-otica-direito-positivo-brasileiro
Domingo
de Páscoa lembra a ressurreição de Jesus Cristo, a intenção de reconciliar-se,
almoço de domingo na casa dos pais e os ovos de Páscoa, que entraram em nossos
hábitos definitivamente. Além destas lembranças, vem-nos à mente o quadro da
Santa Ceia, na qual Judas Iscariotes aparece segurando um pequeno saco, que
simboliza as 30 moedas recebidas para indicar aos soldados romanos quem era o
Cristo.
Sem
tanta gravidade, mas ainda sob reprovação social, vivemos assistindo,
praticando ou sofrendo traições em nossas vidas. Vício de caráter que acompanha
a humanidade, tal qual tantos outros, como a ira, a inveja e o ciúme. Regras
éticas punem o transgressor, através da reprovação social. Regras legais o
sancionam nas condutas mais graves, pois, afinal, o Direito Positivo brasileiro
não poderia ficar alheio ao fato. Examinemos o tratamento legal à traição sob
óticas de diversos ramos do Direito.
No
Direito Administrativo o artigo 116, inciso II, do Estatuto do Servidor Público
Federal dispõe que constitui dever ser leal à instituição que servir. Assim,
por exemplo, um servidor que, devidamente autorizado pelo órgão público ao qual
pertence, cursa mestrado no exterior, recebendo seus vencimentos, e depois pede
exoneração para atuar em uma empresa privada, valendo-se dos conhecimentos
adquiridos, age com deslealdade e pratica flagrante traição.
No
Estatuto da OAB, artigo 34, temos também exemplos. Segundo o inciso VII,
constitui infração disciplinar “violar, sem justa causa, sigilo profissional”.
Recordo-me de um caso real. Um jovem advogado, contratado por um Banco, teve
acesso à lista de devedores a serem objeto de execução. A partir daí começou a
contar às pessoas que lhe eram próximas quem e quanto deviam, pessoas
conhecidas na cidade. O inciso VIII proíbe ao advogado “estabelecer
entendimento com a parte adversa sem autorização do cliente ou ciência do
advogado contrário”. Em ambas está presente a traição. A primeira é ao cliente,
no caso o banco, que poderia até responder civilmente pelo fato. A segunda é ao
seu cliente, que deve ter ciência do que está sendo decidido em assunto que lhe
diz respeito. Ambas são punidas com censura, na forma do artigo 36 do Estatuto.
Além disso, o Código Deontológico dos Advogados, no artigo 6º, impede-lhes de
revelar fatos sobre os quais tiveram conhecimento através da profissão, o que
se assemelha aos clérigos.
No Direito Penal a traição está presente em vários artigos. Ela
pode ser causa de qualificadora no crime de homicídio, elevando a pena corporal
para o mínimo de 12 e o máximo de 30 anos (CP, artigo 121, parágrafo 2º, inciso
IV). Já o crime de furto é penalizado de forma mais grave, quando o autor se
vale de justificada confiança da vítima (CP, artigo 155, parágrafo 4º, inciso
II). Por tal motivo, o Superior Tribunal de Justiça tem confirmado condenações
de empregados domésticos eventuais (p. ex. diaristas) que se valem do trabalho
esporádico na casa da vítima para a prática de furto (HC 90.161/SC, Rel. Min.
Og Fernandes, DJe 08.03.2010).
Aspecto interessante é o que cerca a delação premiada. Prevista
em diversos textos legais, como a Lei 8.072/1990 (Crimes Hediondos), Lei
9.613/1998 (Lavagem de Capitais), Lei 9.034/1995 (Crime Organizado) e Lei
11.343/2006 (Antidrogas), ela carrega sempre uma dúvida ética sobre seu acerto,
vez que estimula a traição de um dos acusados, a fim de desfavorecer outros,
tudo para a completa descoberta dos fatos. Mas, obviamente, aí a traição é
aceita por uma visão pragmática. Nos crimes mais graves da contemporaneidade
nada se apurará se não houver delação premiada, escuta telefônica, gravações ou
medidas semelhantes. Em suma, o aceitar esta espécie de traição tem
justificativa na necessidade do combate à criminalidade moderna.
No Código Penal Militar não é diferente. A traição é
circunstância punida com pena de morte. Poucos brasileiros sabem que o Brasil
permite pena de morte, ainda que em situações excepcionais. Mas assim é.
Confira-se o artigo 355: “Tomar o nacional armas contra o Brasil ou Estado
aliado, ou prestar serviço nas fôrças armadas de nação em guerra contra o
Brasil: Pena - morte, grau máximo; reclusão, de vinte anos, grau mínimo”.
Aplica-se pena de morte também ao estrangeiro que venha a praticar algum dos
crimes dos artigos 356, ns. I, primeira parte, II, III e IV, 357 a 361, conforme
determina artigo 362 do CPM.
Na pouco conhecida Lei de Segurança Nacional (Lei 7.170/1983),
dois tipos penais encerram no seu conteúdo a conduta traiçoeira. O primeiro é o
artigo 8º, que fala em entendimento ou negociação com governo ou grupo
estrangeiro, ou seus agentes, para provocar guerra ou atos de hostilidade
contra o Brasil, sancionando tal conduta com 3 a 15 anos de reclusão. O segundo
é o artigo 21, que pune com reclusão de 2 a 10 anos quem revelar segredo obtido
em razão de cargo, emprego ou função pública, relativamente a planos, ações ou
operações militares ou policiais contra rebeldes, insurretos ou
revolucionários.
Mas, é no Direito de Família que a traição é lembrada com mais
frequência e pode gerar consequências graves. A fidelidade é dever imposto no
artigo 1.566, inciso I, do Código Civil. Sua quebra constitui justo motivo para
a separação judicial, nos termos dos artigos 1.572 e 1.573, inciso I, do mesmo
Código. O cônjuge que trai, se vencido em ação de separação judicial ou
divórcio, poderá sofrer várias sanções, como a perda da guarda dos filhos.
Como observa o advogado Rodrigo da Cunha Pereira, especialista
na área, “Dependendo do vexame causado para uma pessoa, pode
ser desde perda da pensão alimentícia até uma indenização. Por mais que
indenização seja difícil, ainda é possível. Isso varia para cada caso e depende
da renda” (http://financasfemininas.com.br/site/o-preco-de-uma-traicao/).
O STJ teve ocasião de julgar recurso especial em que se discutia
o direito a indenização de uma cidadão que registrou como seu o filho tido na
vigência do casamento, vindo 6 anos mais tarde, já separado de sua mulher, a
saber, através de exame de DNA, que a criança era fruto da traição de sua
esposa com um terceiro. Proposta ação de indenização contra a mulher e o
verdadeiro pai, acabaram ambos sendo condenados, solidariamente, ao pagamento
de R$ 200.000,00 pelos danos morais infringidos ao autor (STJ, REsp nº 922.462
–SP, 3ª. Turma, relator Ministro Vilas Bôas Cueva, j. 13.5.2013).
Finalmente, o aspecto religioso. A Santa Sé celebrou vários
Tratados com os Estados, chamados de Concordatas, através dos quais os clérigos
estão obrigados a guardar sigilo das confissões que lhes forem feitas. Pois
bem, os religiosos não podem ser inquiridos por magistrados ou outras
autoridades, sobre fatos que lhes foram confessados. Evidentemente, isto gera a
impossibilidade de serem apurados alguns crimes. Mas o pactuado é respeitado
pelas nações do mundo ocidental.
A encerrar, registre-se que Judas pagou caro pela traição. Mais
de 2.000 anos depois continua sendo repudiado. Em alguns lugares ainda se
pratica a “malhação do Judas”, costume medieval de colocar-se um boneco
pendurado em um poste e destruí-lo a pauladas no sábado de Aleluia. Seu ato
imortalizou-se e isto em um tempo em que nem Nostradamus cogitava da existência
de internet. Que nos sirva o exemplo para, dentro da nossa falibilidade humana,
afastarmos este defeito.
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